Sim, a resposta é sim!

07/02/2007

Uma amiga e psicóloga me ensinou uma coisa importante sobre as crianças, e eu aprendi algo importante sobre a vida. Falávamos, outro dia, sobre crianças que, ao longo de seu primeiro ano, tenham sofrido maus tratos e abandono e sobre as conseqüências disso para o modo como estas crianças compreenderão o mundo, as outras pessoas e a sua própria vida. Minha amiga me explicava, didaticamente, que as marcas da violência sofrida permanecem inscritas na “alma” da criança. Compreendi que estas marcas são como um lugar, ou um ângulo, a partir do qual a vida adquire sentido. A criança que sofreu violência e abandono, portanto, tenderá a encarar a sua vida nesta perspectiva. Pensará e agirá como se a vida não tivesse nada de bom para oferecer. Ela vai procurar desenvolver comportamentos que levem os adultos a confirmarem esse ponto de vista. E toda vez que o adulto recorre a estratégias de violência, de intimidação e de ameaça de abandono para tentar corrigir o mau comportamento da criança, as marcas daqueles primeiros anos vão ficando mais fundas na alma infantil.

Felizmente, os adultos podem também fazer marcas positivas no coração das crianças. E elas são postas sempre que o adulto estabelece para a criança um outro lugar, um outro ângulo, a partir do qual a vida pode adquirir novo sentido: em lugar da violência, o carinho e o diálogo. Em lugar do abandono, o cuidado e a atenção. Quando isso acontece, ou seja, quando o amor vence o desamor, as crianças vão se transformando em pessoas amorosas, carinhosas e felizes. Mas isso não é obra do acaso. É preciso disposição, coragem e paciência – muita paciência! – para mudar o ângulo a partir do qual se pode sentir a vida. Esse investimento é recompensado pelo fato de que as novas marcas deixadas na alma das crianças tornam-se mais fortes e determinantes que as primeiras, e a criança poderá ser um adulto bem sucedido nos seus relacionamentos, na sua vida.

Foi isso o que a minha amiga e psicóloga me ensinou sobre as crianças. O que eu aprendi sobre a vida é, antes, uma analogia entre o que ela me ensinou e nossa sociedade. Talvez a sociedade atual seja como uma criança mal-tratada, que aprendeu que a medida de todas as coisas é a violência, a competição sem limites, o poder do mais forte e a danação do mais fraco. Numa sociedade assim, ter o direito de possuir uma arma de fogo em casa para autodefesa pode representar apenas o aprofundamento das marcas de violência a que fomos submetidos ao longo de nossa história. É por isso que compreendo o que me disse um senhor a respeito de sua posição no referendo: “pela Bíblia e por meus valores cristãos, eu digo sim. Mas a realidade me faz dizer não”.

Ora, o que nossa sociedade precisa é de uma chance para inscrever, na alma das novas gerações, marcas mais positivas para a resolução de conflitos, ou seja, uma chance para ir além da violência e da injustiça. Está claro, para mim, que a proibição do comércio de armas não resolve, por si só, a injustiça e a violência aqui e agora. A proibição, no entanto, ajuda-nos no esforço de mudar o ângulo de visão, na tentativa de estabelecer novos sentidos para a vida, de edificar, a partir de agora, uma outra sociedade baseada em relações de poder mais equilibradas e em processos que buscam a resolução pacífica de conflitos.

O NÃO é a resposta certa para aprofundar as marcas da violência e deixar tudo como está. O SIM, ao contrário, é a afirmação da esperança, uma espécie de segunda chance que damos a nós mesmos para fazer marcas mais positivas na geração que começa a crescer agora.

Jornalista Ricardo Fiegenbaum


Autor(a): Coordenação de Diaconia
Âmbito: IECLB
ID: 5437
COMUNICAÇÃO
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As pessoas podem fazer seus planos, porém é o Senhor Deus quem dá a última palavra.
Provérbios 16.1
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