Jornal Evangélico Luterano

Ano 2016 | número 800

Sexta-feira, 26 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 10:43

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

   No Credo Apostólico, confessamos que cremos em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra. Em sua explicação, Lutero menciona cada um de nós e todas as criaturas. Inclui todas as demandas necessárias para o corpo e a vida. Lutero afirma: ‘Tudo isso faz unicamente por sua paterna e divina bondade e misericórdia, sem nenhum mérito ou dignidade da minha parte’.

   Essa confissão de fé nos diz que a natureza e tudo que nos cerca é expressão da gratuidade de Deus, ou seja, todos os seres vivos e toda a biosfera (ar, terra, rochas, água), contemplados à luz da fé, são obra de Deus. Isso quer dizer que nós, os seres humanos, somos parte integrante de um conjunto maior de criaturas colocadas sob a graça de Deus.

   Concomitantemente, reconhecemos que esta Criação se encontra em um estado de sofrimento e dor. O apóstolo Paulo afirma: Porque sabemos que toda a Criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora (Romanos 8.22). De forma ampla e indiscriminada, o nosso planeta convive com uma realidade triste e lamentável de destruição e desequilíbrio.

   Nos últimos 40 anos, aflorou uma consciência mais aguda desta situação danosa para a sobrevivência dos seres humanos e de todos os seres vivos. Às declarações do Clube de Roma em 1972 (Os limites do crescimento), seguiram-se, nas últimas décadas, milhares de iniciativas de cidadãos, organizações e Governos que procuram sensibilizar e motivar para uma nova postura em relação ao meio ambiente. Lembre-se neste momento de uma pessoa recentemente falecida, próxima da família luterana, Magda Renner, pioneira em ações voltadas para a causa ambiental no sul do Brasil.

   As expressões A natureza não está à venda e Livres para cuidar representam um convite para fazer parte do grande mutirão de pessoas despertadas para a promoção da justiça socioambiental, da justiça climática. Signica um chamado para assumir a causa da sustentabilidade, de modo que a satisfação das necessidades do presente não comprometa os recursos naturais das gerações futuras.

   Apesar dos grandes avanços alcançados na compreensão da vida em nosso planeta, restam muitas incógnitas e diversas perguntas não respondidas. A realidade é complexa, por isso atitudes como prudência, reverência e humildade são desejáveis. Contudo, a verdade é que lemos sinais persistentes de mudanças significativas na natureza. Assistimos, pasmos e atônitos, ao processo de deterioração do meio ambiente, ao aquecimento global, às mudanças climáticas. Diante desse quadro, há uma grande ambivalência nas visões e muitas são as contradições entre posturas e atitudes frente ao cenário ambiental contemporâneo.

   Há quem permaneça indiferente e apático. Há quem fique preso, de forma consciente ou não, a lógicas e processos que colocam o ser humano como ser independente e/ou superior às demais criaturas. Em grande parte, somos escravos desta interpretação enviesada de Gênesis 1.28 (sujeitai... dominai). A ideia de domínio serviu e serve de respaldo para a exploração do meio ambiente e da natureza. Ela se coaduna com práticas de apropriação e mercantilização de recursos naturais.

   Muito próxima e parente dela está a postura que leva a sério a realidade das alterações climáticas e do meio ambiente e vê, nesta nova situação criada, uma grande oportunidade de investimento e lucro. Um exemplo seria o caso do derretimento das calotas polares, o que representaria uma chance nova de ganhos (Caiu do céu: o promissor negócio do aquecimento global - McKenzie Funk). O princípio básico a reger esta postura é o do lucro de curto prazo (Cada um por si. Cada negócio por si. Cada país por si).

   Uma visão um pouco mais sofisticada diz respeito à assim chamada ‘financeirização da natureza’ ou ‘mercadorização ambiental’. Trata-se de um processo pelo qual o capital especulativo toma conta de recursos e componentes da natureza e os comercializa por meio de certificados, créditos, ações, títulos, etc. com o objetivo de conseguir o maior lucro possível com a especulação financeira. Tudo vira um bem no mercado e fica sujeito às relações de troca (água, solo, subsolo, etc.)

   A essa visão, agrega-se o complexo mercado de carbono. Grandes conglomerados econômicos investem em grandes (re) florestamentos como forma de compensação de emissões de carbono sem um questionamento mais profundo das bases produtoras de CO2 e do padrão de consumo prevalecente na sociedade contemporânea.

   Segundo Marcelo Leite, trata-se de uma forma de aplacar as consciências de pessoas recém-convertidas ao credo ambiental por meio da neutralização de carbono. Em um artigo intitulado Indulgências verdes, escrito em 2007, na Folha de São Paulo, o Repórter afirma que ‘está fazendo falta um Lutero para sacudir a igrejinha verde de nossos tempos’

   Trata-se de um repto forte colocado para nós, que lembramos, em 1517, os 500 anos da Reforma. Até que ponto temos a coragem de desnudar o sistema que mascara as grandes injustiças que os desequilíbrios ambientais provocam no mundo? Até que ponto comungamos plenamente esta radicalidade?

   A afirmação A natureza não está à venda representa uma posição crítica aos processos produtivos predatórios, à forma de organização social desigual e injusta em que vivemos e à cultura consumerista em que estamos mergulhados. Diante da consciência de que o nosso planeta está sendo submetido a um grande stress e que há limites de recursos naturais, somos instados a novas posturas.

   A nossa tradição judaico-cristã afirma que estamos fora do paraíso e que, por isso, somos pessoas subjugadas pelo pecado. Toda a ação humana está marcada por esta desgraça e ela envolve a nossa relação com a natureza. A inevitabilidade do pecado faz com que nossas ações sejam danosas, gerando desequilíbrios. Somos pessoas enredadas no círculo vicioso do pecado e da iniquidade. Graças a Deus, este círculo é rompido por sua ação misericordiosa em Jesus Cristo. Pela graça de Deus, somos pessoas libertadas para um novo jeito de pensar e agir. Somos simultaneamente pessoas justas e pecadoras. Isso diz respeito também à nossa relação com a natureza e o meio ambiente.

   Somos pessoas que produzem e consomem bens em nossa sociedade. Participamos dos processos de degradação da natureza, mas, ao mesmo tempo, somos pessoas perdoadas e libertadas para novas posturas, novas atitudes em relação ao meio ambiente. Se olhamos para a natureza como Criação divina, como graça imerecida (conforme Lutero), podemos assumir uma atitude de reverência e humildade. Como pessoas libertadas, podemos fazer parte de uma espiral virtuosa da graça, que tem o seu centro em Cristo.

   Desta forma, atendemos à vocação de pessoas administradoras, cuidadoras da Criação. A graça de Deus nos liberta de atitudes céticas e cínicas diante da realidade ambiental. Animados por Deus, somos pessoas que carregam em suas ações uma mensagem de esperança. Fugimos de discursos moralizantes (certo e errado), condenatórios (culpabilização das pessoas) ou apocalíticos (ameaças com o fim do mundo).

As ações de cuidado com a Criação estão ao alcance de qualquer pessoa. Para as pessoas cristãs, elas correspondem a uma resposta da fé que age em amor pela defesa da vida em suas múltiplas expressões. São um sinal de gratidão pela ação libertadora de Deus.

   A liberdade conferida em Jesus Cristo nos desarma e possibilita a redescoberta de um novo sentido para a vida, marcada por desapego e solidariedade

   As expressões A natureza não está à venda e Livres para cuidar representam um convite para fazer parte do grande mutirão de pessoas despertadas para a promoção da justiça socioambiental, da justiça climática. Significa um chamado para assumir a causa da sustentabilidade, de modo que a satisfação das necessidades do presente não comprometa os recursos naturais das gerações futuras.

   Tudo isso pode acontecer em vários níveis: pessoal/familiar, grupal/sociedade civil, estrutural/político.

   No nível pessoal/familiar, podemos adotar novas práticas voltadas para o uso da água, do consumo de produtos ecológicos, consumo de energia, desperdício de alimentos, locomoção transporte público ou coletivo, etc.

   No nível grupal/sociedade civil, podemos fazer parte de grupos de ação em nossas localidades, que têm como fim a redução da degradação ambiental, tratamento do lixo, do esgoto, poluição do ar e da água, etc. Podemos nos envolver em iniciativas da sociedade civil com vistas à aplicação de leis existentes ou por sua melhoria.

   No nível estrutural, podemos apoiar iniciativas que têm como fim a redução da exploração predatória da natureza, a redução dos gases de efeito estufa, a mudança da matriz energética (implementação de energia eólica e/ou solar), pressionando Governos e agentes econômicos a reduzir as desigualdades e injustiças decorrentes do agravamento danoso das mudanças climáticas.

   Estas ações de forma alguma são excludentes. Ao contrário, elas se complementam. Elas estão ao alcance de qualquer pessoa. Para as pessoas cristãs, elas correspondem a uma resposta da fé que age em amor pela defesa da vida em suas múltiplas expressões. São um sinal de gratidão pela ação libertadora de Deus.

 

P. Dr. Rolf Schünemann

   P. Dr. Rolf Schünemann, formado em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, e Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ), foi Pastor na Paróquia Missão Suburbana - Rio de Janeiro/RJ, na Área Missionária de Mauá - Paróquia do ABCD/ SP, além de Pastor Sinodal do Sínodo Sudeste e Pastor 2º Vice-Presidente da IECLB. Atua como Coordenador da Gestão Eclesial do Portal Luteranos (www.luteranos.com.br).

 

 

 

 

 

 

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