Jornal Evangélico Luterano

Ano 2019 | número 831

Sexta-feira, 26 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 14:59

Unidade

Deixo com vocês a minha paz Pessoas, simultaneamente, justas e pecadoras

Você, como pessoa de fé e participante da Comunidade Cristã, já fez coisas muito belas. Também já deve ter feito coisas não tão boas assim. Talvez já tenha sofrido alguma injustiça. Também já deve ter cometido alguma. Dizer ‘Eu sou bom’ e ‘Eu não sou tão bom assim’ são dois lados da mesma moeda. Você, eu e todo mundo sabemos disso.

A pergunta que muitas vezes me faço é: Não poderia Deus ter-nos criado somente para o bem? Se nós fizéssemos somente o bem, não teríamos essas discussões e tensões chatas na sociedade, na Comunidade e também nas famílias. Infelizmente, ficou ‘normal’ ver pessoas se atacarem na Internet, nas rodas de conversa e também na Igreja. Cada lado tem certeza que é ‘dono da verdade’, mas não existem duas verdades... Então, como lidar com essas tensões tendo a fé e a Teologia como guias? Como unir, em vez de dividir, a sociedade, a Igreja e a família?

A Teologia Luterana tem um caminho bastante interessante para tratar dessas questões. Ela diz: somos pessoas justas e pecadoras – ao mesmo tempo. Somos pessoas justas, porque Deus, por meio da morte e da ressurreição de Jesus Cristo nos reconcilia com Ele. Na cruz, Cristo vence o mal e, por graça, Deus nos torna participantes desta vitória de Cristo pelo Batismo. A ação de reconciliação é de Deus, não nossa. Nós tão somente a recebemos pela fé. A Bíblia defi ne essa nova condição humana com palavras, como ter paz com Deus (Rm 5.1), viver em novidade de vida (Rm 6.4) e sermos novas criaturas (2Co 5.17).

Ao mesmo tempo, ser pessoa pecadora é a condição da humanidade até Cristo voltar para ser tudo em todas as pessoas (Cl 1.17-19). O pecado é a expressão da imperfeição humana (1Jo 1.8 e Rm 7.17-20) e da condição de afastamento de Deus (Rm 3.23). Martim Lutero, quando fala sobre o Batismo, afi rma ser necessário renascer em Cristo pela fé todos os dias para que o velho Adão não tome conta de nós.

Nunca deixe de agir e testemunhar a fé cristã. Deus espera que sejamos pessoas de justiça e paz. Um belo sinal de responsabilidade cristã é assumirmos esta tarefa como resposta ao amor que Deus já nos mostrou na cruz de Jesus Cristo.

O apóstolo Paulo já havia dito algo parecido em Romanos 7.14ss: Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero. Essa condição me angustia, pois eu desejava que fosse diferente, mas não é. Talvez por isso as ‘conversas’ que iniciam nas Redes Sociais como simples opinião diferente terminam em discussão.

Somos pessoas justas, porque Deus, em Cristo, nos reconcilia com Ele. Somos pessoas pecadoras, porque separamos, dividimos, afastamos pessoas de pessoas e pessoas de Deus – ao mesmo tempo. ‘Ah, então está claro: é o meu lado de pessoa pecadora que se mostra na discussão insana do Facebook’. Sim, o pecado se revela sempre, mas ser pessoa justa e pecadora ao mesmo tempo não é, às vezes, fazer uma coisa boa e, outras vezes, uma coisa má. O simples fato de pensar que fazemos coisas boas já é cair no pecado da soberba, da arrogância, do considerar-se bom, boa (no mínimo, melhor que a outra pessoa).

Reconheça: nós somos pessoas pecadoras! Se algo de bom é feito é porque Deus caminha ao nosso lado e vai ‘justificando’, tornando em bem o mal que fazemos. Logo, não sou eu o autor, a autora da bondade que fica como rastro da minha ação, mas Deus, que caminha ao meu lado e vai transformando em bem as coisas erradas que faço e as meias verdades que conto.

Compreendo que é difícil entender esta definição teológica. Martim Lutero, ao explicar a nossa condição de ser pessoa justa e pecadora ao mesmo tempo, foi bastante pedagógico. Tomou como exemplo uma pessoa doente que procurou um Médico e foi medicada: é uma pessoa doente, mas já foi medicada e por isso vive a esperança de amanhã estar curada. Ainda não está curada: se não tiver cuidado hoje, pode ter uma recaída e as coisas ficarem piores que estão (Castelo Forte, 2017). Somos pessoas pecadoras (doentes), mas Cristo já morreu por nós e vivemos a esperança de amanhã termos a vida eterna (fomos medicados e medicadas). Ainda não somos plenamente justificados e justificadas e, se, hoje, não cuidarmos, podemos ter uma recaída amanhã.

Que ninguém precise ficar falando para você: ‘Seja pessoa justa’, ‘Seja instrumento de paz’. Que você, em gratidão à ajuda dada por Deus, diga: eu construo pontes de justiça e paz! Deus nos dá a sua paz e, por meio de nós, dá paz às outras pessoas.

O Tema e Lema da IECLB para 2019 têm como um dos seus objetivos fazer perceber que ‘A nossa ação pode ser compreendida como colaboração com Deus para o melhoramento do mundo’. Essa ação colaborativa se dá na vida de fé pessoal e social: ‘A pessoa cristã é, simultaneamente, cidadã’ (Texto-Base TA2019). A pergunta concreta é: como, se sou pessoa justa e pecadora ao mesmo tempo, posso contribuir para melhorar o mundo e as relações entre as pessoas onde vivemos?

Arrisco algumas ideias:

- Seguir o conselho que Paulo dá aos colossenses (3.12ss): Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, revistam-se de profunda compaixão, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência. Suportem-se uns aos outros e perdoemse mutuamente, ... Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição.

- Orientação: em suas orações, peça para Deus caminhar ao seu lado e transformar em bem as palavras e os gestos maldosos que você cometer. Se, da sua boca, saírem palavras como que limões, que Deus as faça chegar como gostosa limonada aos ouvidos da outra pessoa.

- Em tempos de tensão entre as pessoas, nos quais os ânimos se alteram facilmente e todo mundo julga ser dono e dona da verdade, afirme: ‘Ninguém de nós tem a verdade, por isso ouça com misericórdia, elabore a resposta com paciência e responda com amor’. Que não saiam da sua boca palavras ofensivas, que machucam e que atingem a dignidade da outra pessoa. Lembre-se que as pessoas têm ideias diferentes e Cristo morreu e ressuscitou por todas elas.

- Viver como pessoa justa e pecadora é aprender a pedir desculpas. Pedir desculpas é postura de fé que faz enxergar a outra pessoa. É mostrar que ela é importante para nós. Que queremos viver em paz com ela. A graça de Deus é reconciliação.

e) Paulo diz que não temos o domínio sobre as nossas ações, sejam elas boas ou más (Rm 7). Isso, entretanto, não nos autoriza a cometer um mal deliberadamente. A maldade e a mentira conscientes são uma péssima escolha. Não ter as forças necessárias para escolher o bem é uma coisa. Escolher o mal conscientemente é outra bem diferente, por isso Paulo recomenda: considerem-se mortos para o pecado (Rm 6.11-12).

- Não dominamos fazer o bem porque o pecado também está em nós. Então, é prudente desconfiar de alguns comportamentos e falas que temos. Se as suas posições são constante motivo de conflito com as pessoas, reveja algumas. Gerhard Lohfink, Teólogo alemão, afirma: onde o Espírito de Deus está presente, acontece cura pessoal e social. O Evangelho cria nova realidade. As coisas ali não continuam como são e estão – nem nós (1Co 9.22).

- No livro O pensamento de Lutero, o Teólogo Gerhard Ebeling afirma ser necessário a letra da Escritura tornar-se Palavra viva no coração. A Palavra viva faz olhar para frente, faz promover a paz, faz cuidar da vida das pessoas e de toda a Criação. Um bom indicativo é ser resistência ao espírito da morte e fi rmar-se no que promove a vida. Temas como agrotóxicos, poluição, plástico, exames caros ganham o seu conteúdo de fé.

- Nunca deixe de agir e testemunhar. Agir é inerente à pessoa justificada. O medo de errar não pode paralisar. Deixar de agir e testemunhar a fé cristã é não dar a oportunidade de Deus transformar em bem o mal que eventualmente venha a cometer. Faça todos os dias tudo o que julgar ser boa ação e deixe Deus transformar tudo em bem. Somente assim as pessoas ao seu redor experimentarão reconciliação, justiça e vida.

A nossa condição diante de Deus é a de pessoa justa e pecadora ao mesmo tempo. Vivemos esta constante tensão. Isso tem uma consequência prática para a vida: significa reconhecer que, em situação de debate sobre determinado tema, seja na família, na Igreja ou na sociedade, a verdade nunca estará totalmente comigo – nem com a outra pessoa. Nós apresentamos versões. Cada qual apresenta uma parte da verdade e vivemos a esperança que Deus leve as ‘meias verdades’ de cada um e cada uma de nós a bom termo.

Deus espera que sejamos pessoas de justiça e paz. Um belo sinal de responsabilidade cristã é assumirmos esta tarefa como resposta ao amor que Deus já nos mostrou na cruz de Jesus Cristo. Que ninguém precise ficar falando para você: ‘Seja pessoa justa’, ‘Seja instrumento de paz’. Que você, em gratidão à ajuda dada por Deus, diga: eu construo pontes de justiça e paz! Deus nos dá a sua paz e, por meio de nós, dá paz às outras pessoas. 

P. Marcos Jair Ebeling
Pastor Sinodal do Sínodo Sudeste

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